quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Crônicas da vida praiana - David Coimbra

Talvez vocês tenham acompanhado as várias crônicas do David Coimbra na semana passada, na Zero Hora, contando sobre a vida praiana. São ilárias. Me diverti muito lendo e ficava esperando a próxima. Pena que acabou, agora quem está de cronista é a Fernanda Zaffari. Outro estilo.
Assim, resolvi dividir com vocês uma delas e deixar o link das demais, caso gostem e queiram conferir.
O que devo usar à beira-mar (06/01/10): clique aqui
Coisas estranhas da vida praiana (07/01/10): clique aqui
A mulher do surfista (08/01/10): clique aqui
Como plantar o guarda-sol (09/01/10): clique aqui
Um mundo que não é, nem nunca será, o seu (10/01/10): clique aqui

Quatro maridos de Xangri-lá (05/01/10)

O impacto da presença de uma loira de biquíni branco nas areias de Xangri-lá, sobretudo o que isso provoca aos olhos de homens casados, abre as impressões do cronista David Coimbra sobre o que ocorre na orla gaúcha. A efervescência do litoral será tema de convidados e profissionais da RBS, que escreverão neste espaço até o fim da temporada de veraneio.

Avida praiana não é feita para o homem casado. Alcancei tal verdade no meio da tarde de ontem, depois de quase um dia inteiro de reflexões sobre as areias molhadas de Xangri-lá. Tudo por causa de uma loira de biquíni branco.

As loiras de biquíni branco são diferentes das morenas, das negras, das ruivas, das japonesas e até das outras loiras. Uma loira, quando enverga um biquíni branco e sai por aí, ela não é uma loira qualquer. Ela tem confiança. O seu bronzeado está escorreito, as suas carnes estão duras, ela sabe que, ao pisar com seu pezinho macio na areia fofa, nada em seu corpo irá balançar mais do que deve balançar.

Assim é a loira de biquíni branco.

Ontem, em meio a um dia indeciso entre o sol pálido e a chuva rala, uma dessas loiras fez sua incursão por Xangri-lá, e o fez desacompanhada e sem canga, apenas ela, seus grandes óculos escuros e seu minúsculo biquíni branco adereçado com delicados motivos florais cor-de-rosa.

Essa loira, que, soube depois, chama-se Greta, vive o frescor dos 18 anos de idade e mora nas alturas de Caxias, ela nem havaianas calçava, ela estava recostada na areia e, num rompante, ergueu-se e fez com que suas longas pernas dessem passos de gazela à margem do mar, ela caminhava com garridice, o narizinho empinado ainda mais empinado, sorvendo o ar ameno de um dia cinza do litoral.

Foi essa a imagem que alguns homens casados avistaram ontem, à franja da praia de Xangri-lá. Entenda: não se tratava de um grupo de homens casados. Eles não formavam um conjunto. Eram vários homens casados isolados, cada qual em seu núcleo familiar, e eis aí a razão do drama.

Um homem casado é um triste ser, quando se aventura pela vida praiana. Porque sua mulher ficará tomando sol – as mulheres fazem isso. Não por diversão, as mulheres são em geral sérias, não têm apreço especial pela diversão. Elas tomam sol com o objetivo de, ao voltar para a cidade, mostrar sua nova cor durante uma semana, ao cabo da qual, desbotam, empalidecem e entristecem.

Então, a mulher tem o que fazer, às fímbrias do Mar Oceano. As crianças, idem. Crianças são como homens adultos – gostam de se divertir. A diferença é que um homem adulto, casado e apartado dos outros homens, esse homem não tem absolutamente o que fazer na vida praiana. Ele se instala em sua cadeirinha de plástico ao lado da mulher que assa ao sol, e fica olhando para o mar. Ler ele não lê, devido à luminosidade ofuscante que incide sobre as páginas ou devido ao vento, que leva as folhas do jornal. Jogar bola? Só se tivesse uma turma, e ele não tem. Ele está só.

O que ele faz, então? Ele fica olhando para as ondas que vêm e vão, vêm e vão, vêm e vão, num movimento tão eterno como monótono. Ele deveria estar em seu ambiente, na amenidade civilizada do ar-condicionado, mas não, ele está à mercê da Natureza indômita, com os pés descalços pisando sobre tudo o que os demais seres humanos e animais rojam à areia, sentindo na pele desprotegida a ação do vento pegajoso que sopra do mar, do sol rascante acima de sua cabeça, dos eflúvios de iodo da atmosfera marinha. E o que ele pode fazer a respeito? Nada, senão olhar para as ondas que vêm e vão, vêm e vão... E, vez em quando, apreciar algum evento inesperado: um cachorro passa, e o homem casado o observa; lá se vai aquela gorda de maiô, e o homem casado lança às nuvens um suspiro de conformação; um publicitário careca caminha à frente do seu rabo de cavalo, e o homem casado não pensa nada. O homem casado agora confere o relógio de pulso: passaram-se 18 minutos desde que ele chegou à areia. Ainda há três horas e 42 minutos pela frente, até sua mulher terminar de assar. O tédio. O tédio.

Mas pode ocorrer o que ocorreu ontem em Xangri-lá. Pode ocorrer de uma loira de biquíni branco fazer sua aparição. Aquela o fez. Greta. Lânguida, sinuosa, esguia, de pele provavelmente macia ao toque. Havia quatro homens casados na região. Não se conheciam, estavam conscritos às suas células familiares, atrás de seus óculos escuros e de suas barrigas venerandas. A loira levantou-se da areia, sua silhueta surgiu, e o primeiro homem casado a divisou. Mexeu-se na cadeirinha, e sua agitação como que se transferiu para os outros homens casados numa onda de eletricidade. Todos ficaram inquietos e se entreolharam. Eram estranhos, mas, naquele momento, havia algo em comum entre eles. Queriam se comunicar, queriam comentar, queriam rir juntos, mas não podiam. Suas esposas assavam logo ali. E a loira veio vindo e veio vindo e veio vindo.

E veio.

Ingressou na área em que os homens casados estavam acomodados. Eles retesaram os músculos, percebia-se que a loira era como que uma aragem de felicidade a lhes bafejar naquele dia em que nada acontecia, em que nem o sol estava convicto de ir para a orla. Seus rostos se iluminaram, a vida se lhes correu quente nas veias, o mundo era belo de novo.

Aí uma esposa viu.

Ergueu a cabeça da canga estendida na areia, e viu a loira que passava. Grunhiu. Foi como um alarme primevo que avisou as demais esposas do perigo iminente. Elas se moveram, olharam para os maridos. Uma censurou o seu com um “que que está olhando?”, a outra guinchou, a terceira chamou o pobre por nome e sobrenome, e então os quatro maridos de Xangri-lá desviaram os olhares da loira, murcharam em suas cadeirinhas e voltaram a olhar para o mar que ia e vinha, ia e vinha, ia e vinha, para sempre...

Não, a vida praiana não é feita para o homem casado.

6 comentários:

Elcio Tuiribepi disse...

Com certeza não é um bom lugar...rsrs...o mais legal é quando o cronista consegue pegar esses detalhes no cotidiano e transformar num belo texto, numa bela crônica...Verissimo é que faz isso super bem também, é fera, já leu " As mentiras que os homens contam" ? Muito legal, eu ri muito ao ler...vale realmente a pena...
Valeu pela leitura...está sendo bom rir um pouco hoje, o dia não foi lá essas coisas..rs
Um abraço n alma...bjo

chica disse...

As crônicas de Davi são geniais ecela pega detalhezinhos que fazem toooooda a diferença...Muito legal! um beijo,tudo de bom,chica

Unknown disse...

Ângela, você externou o que muita gente sentiu ao ler as crônicas do Coimbra, não se fala em outra coisa. Em todas as rodas e conversas que participo lá estão elas. Simplesmente geniais!

Beijo grande,

Cacau

Miréia Borges disse...

Acompanhei todas as crônicas dele da "Vida Praiana" e achei genial.
Para falar a verdade nunca tinha lido nada dele mais aprofundado.
Adorei e virei fã.
bjs

Unknown disse...

Oi Flor,

Olha só, achei que vc ia gostar de saber da oportunidade aqui: http://feedproxy.google.com/~r/CulturaDeTravesseiro/~3/frXUeirr2kU/laboratorio-de-autores.html

Outra coisa é que amanhã publico no Mosaicos a minha primeira promoção, em função do aniversário de 6 meses do blog. Passa lá e participa!

Beijo grande, no fofo do Gabriel tbm!

Cacau

karla siqueira disse...

Angela amei o teu post e as crônicas do Davi. Super beijo.
karla