domingo, 25 de maio de 2014

Resenha do Livro da Kelli Pedroso, SEXO DAS ANTAS, por Marcelo da Rosa Costa

Cada vez mais parece que a crônica vai de especializando. O camarada escreve sobre vinhos, relacionamentos, política, esportes, sem sair do seu nicho. Outros preferem arriscar-se para a diversidade, não apenas recolhendo os detalhes que fazem a riqueza do cotidiano, mas mergulhando na vida, refletindo a respeito e opinando. Este é um livro de opiniões.  E opiniões são opiniões, o sujeito as emite, o interlocutor as recebe, pode concordar ou não.  Por exemplo, a autora acredita – ou acreditava quando escreveu – que Osama Bin Laden não morreu quando capturado. Sabia demais, e por isso devia estar em algum buraco secreto dos americanos levando porrada para falar o que sabe.  Eu não concordo, acho que a Al Qaeda seria a primeira a divulgar a informação de que ele poderia estar vivo, ao contrário de denunciar, como fez, a covardia – no entender da organização – da execução de um homem desarmado. 

Poderia ficar páginas e páginas aqui discutindo, ora concordando, ora não, com alguns textos do livro o que, por si só, já demonstra uma grande qualidade: ele propõe um diálogo. E sobre questões presentes para qualquer um que se interesse pelo que acontece na sua volta. Seja a violência urbana, o caos no trânsito (“Não há mais espaço para automóveis nas ruas de Porto Alegre”, diz a autora, e eu concordo com isso) ou a pressa da vida contemporânea. Em outros momentos, traz o leitor para um universo particular; demonstrações de afeto cujo destinatário nos é desconhecido, embora compartilhemos a singeleza universal do gesto. Dessa forma, o que se vê é a construção de um mosaico cuja versatilidade admite, ao virar de uma página, que passemos de Nicolau Maquiavel para Odete Roitman com a naturalidade de alguém que volta pra casa pendurado em cipós.

Particularmente, acredito que alguns textos poderiam ser mais extensos.  Não sei se existia alguma limitação no espaço onde foram originalmente publicados, mas em alguns deles, como “A Observadora”, em que autora contempla a brincadeira das crianças em um parque, o fim abrupto parece interromper o que parecia ser um convite para repararmos naquele momento, apenas sugerido. Haveria mais a ser explorado, principalmente porque a autora demonstrou possuir a sensibilidade necessária para desvendar a riqueza dos acontecimentos prosaicos. Em diversos momentos o livro lança um olhar inconformado para nossa realidade; quando comenta a “Disseminação do Mal”, o já citado “Caos no Trânsito”, a violência ou os descaminhos da cada vez mais desastrosa Copa do Mundo do Brasil. Será que a tendência contemporânea para a concisão, reflexo desta velocidade exigida na vida moderna, não estaria privando o leitor de uma das principais qualidades da literatura: a possibilidade de sublimar esta realidade opressiva pela sua própria natureza, de uma atividade que requer atenção, silêncio, paciência, ou seja, tempo? Coincidentemente, ou não, o texto que trata (ou ataca) diretamente estas questões, “Contra as Horas”, é o mais extenso do livro.

A principal virtude de “O Sexo das Antas” é que, ao juntarmos os seus recortes do presente, conseguimos formar uma imagem do que é, e um dia terá sido, através do olhar de uma cronista do Sul do Brasil, essa primeira década do século XXI.