terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Resenha do livro de contos da Alexandra Cunha - recomendo!


O desastre é viver

Por Guilherme Bacchin

Será destino acabarmos sentenciados pelo esquecimento, e culpados pelo nosso amor? Sem amor, sem paixão, e sem desejo, não teríamos realidade, e muito menos nossas próprias vontades, mesmo com o paradigma eterno de ser ou não cinza?
Amor e outros desastres, de Alexandra Cunha, não é o desespero da sentença, é o despropósito de nosso julgamento enquanto houver força em nossa voz, e não treva em nossa alma. Cada conto é uma pincelada que deforma o mais vazio que carrega o homem − sua existência. Eis que, na tela final, somos forçados a depararmo-nos com nosso íntimo, pelo puro absurdo da verdade: o que somos é uma deformidade.
Sob a ideia prisioneira da libertação, nas arestas do livro vemos o purgatório da vida, a rejeição da chama, que só existe por saber que se perderá em poeira. Nos foi dado o esquecimento da alma, e esta é nossa única eternidade. Foi o que pensei ao lê-lo. O tempo descolore aos poucos o arco-íris, até fazer dele uma tarja preta que escurece nossa visão com a única verdade permitida ao homem: ele do nada sai, e para o nada vai. O que nos resta? Escrever para nos libertar. Mas escritores como Alexandra, aprisionam-se à sua escrita, e por ser esta sua liberdade, é também sua escravidão.
A literatura sempre será válida porque nos tira daqui. Amor e outros desastres, não. Ele nos prende à vida, nos grava no asco de nossa carne a maldição de pertencer à morte, e a mais ninguém. Para então não suportarmos ver que tudo o que verdadeiramente carregamos são as feridas de nosso passado, e a companhia da solidão.
A mesma constante que habita a literatura de Alexandra é a exposta em O Grito, de Munch, e na literatura kafkiana por definição. Os estilos narrativos são antíteses, paradoxos, o que Kafka brutalmente sugeria, Alexandra elegantemente revela; o desespero, a queda iminente do abismo, alienar-se da vida como único jeito de viver. A fuga é redenção, é amor, e ambos são variáveis, falhos, vazios. De invariável, só a dor e o ponto final.
Literatura não se faz com felicidade, assim como amor não se faz com liberdade. Alguns tocam nossa alma ao escrever, outros, como Alexandra, a rasgam. O desastre do amor, do ódio, do esquecimento, do abismo, são atenuantes das lágrimas de alma, porém menores. Enquanto houver os insensíveis da ação, enquanto houver traças, o maior desastre por aqui será viver.