Eu ando meio bloqueada para escrever, admito. Em compensação, tem gente boa produzindo a mil, e não posso deixar de recomendar aqui o excelente blog O Homem Despedaçado do escritor Gustavo Melo Czekster e também o livro de contos com o mesmo nome do blog. Aproveite a viagem no universo criativo de Gustavo. Além disso, suas crônicas são uma ótima oportunidade de reflexão, num mundo em que pensar diferente, criticar com argumentos inteligentes, parece fazer parte de uma prática obsoleta. Enjoy!
sábado, 22 de dezembro de 2012
Dica de Blog e livro - O Homem Despedaçado
Eu ando meio bloqueada para escrever, admito. Em compensação, tem gente boa produzindo a mil, e não posso deixar de recomendar aqui o excelente blog O Homem Despedaçado do escritor Gustavo Melo Czekster e também o livro de contos com o mesmo nome do blog. Aproveite a viagem no universo criativo de Gustavo. Além disso, suas crônicas são uma ótima oportunidade de reflexão, num mundo em que pensar diferente, criticar com argumentos inteligentes, parece fazer parte de uma prática obsoleta. Enjoy!
sábado, 24 de novembro de 2012
Flashes da Feira do Livro 2012
Eu estava devendo as fotos da Feira do Livro deste ano. É só uma mostrinha de tudo que aconteceu por lá. Grande destaque desta edição foram os autores Valter Hugo Mãe (angolano) e Mia Couto (moçambicano). Espero que gostem.
Valter Hugo Mãe com Jane Tutikian e Pedro Gonzaga |
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Na fila dos autógrafos de Ricardo Morales e seu "Está tudo bem, querido?" |
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Eu, Flavio Torres e seu "Monstros fora do Armário" |
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Eu com Marcelino Freire |
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Alcy Cheuiche e Donaldo Shuler |
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Cláudia Laitano na oficina de crônicas |
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Fila para bate-papo com Humberto Gessinger |
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Patrono e ex-patronos entrevistam Mia Couto |
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Pausa para foto no stand da Prefeitura de Porto Alegre, com Gabriel |
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Affonso Romanno de Sant'Anna e Marina Colassanti (de costas) |
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Valter Hugo Mãe com Gabriel |
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Humberto Gessinger |
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Eu com Leila Teixeira no lançamento do seu " Em que coincidentemente se reincide" |
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Marcelino Freire "reverberando" sabedoria na oficina "soltando a língua" |
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Eu com Claudia Laitano |
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Walter Galvani e Rafael Jakobsen |
terça-feira, 23 de outubro de 2012
Flexibilidade Zero (texto publicado no Caderno Viagem de ZH em 23/10/12)
A
gente passa trabalho no país dos outros. Numa dessas, entrei num supermercado,
nos Estados Unidos, para comprar comida. Na hora de pagar, optei por um dos guichês
de autoatendimento, onde você mesmo passa suas compras, empacota e paga.
“Bem-vindo”, disse a máquina em
inglês. “Pressione a tecla com a opção desejada”. “Passe o produto pelo leitor
de barras”. “Coloque o produto na sacola”.
Tudo funcionava bem, até chegar nas
malditas maçãs. Deduzindo que precisariam ser pesadas, larguei-as numa parte
metálica. No visor apareceu o peso das frutas.
“Pressione a opção desejada”. E então
o visor me mostrava vários quadrinhos de frutas e verduras – exceto maçã. Olhei
em volta e não havia um atendente sequer, apenas uma fila de pessoas impacientes.
Voltei ao procedimento e procurei algum botão que cancelasse. Nada. Procurei a
fruta mais próxima em formato e preço de maçã, e o pêssego foi a solução, até
porque tinha valor ligeiramente mais caro. Apertei.
“Pêssegos, coloque o produto na sacola”.
Coloquei as maçãs na sacola, fiz cara
de paisagem e continuei.
Uma funcionária apareceu. Conferiu no
visor minha lista e se deteve nos pêssegos. Retirou as maçãs da sacola e
mostrou-as para mim, falando com rispidez: - isso não é pêssego, é maçã. O supermercado
parou, e todos me olhavam como se eu fosse uma criminosa.
A atendente começou a bater no visor
com fúria para corrigir meu procedimento.
Desfeito o erro, paguei e saí,
morrendo de vergonha e culpada, afinal aquele ato poderia ter causado quebra de
caixa pelos centavos a mais que eu teria pago pelas maças adquiridas como
pêssegos e uma inexplicável diferença no estoque, que apontaria três maças
faltantes e três pêssegos em demasia. Imperdoável! E eu que pensei que ser
flexível na solução de problemas fosse uma virtude. Bem, vai ver são esses
comportamentos que mantêm a ordem existente naquele país. Pêssego é pêssego,
maçã é maçã. Amém.
Desde então, por segurança, na terra
do Tio Sam, onde maça é maçã, ou na República das Bananas, onde não se sabe ao
certo o que é banana-maçã, - eu desconfio.
quarta-feira, 19 de setembro de 2012
domingo, 16 de setembro de 2012
Uma geração de avós precoces
(foto: Gustavo Barreto)
Não passaremos impunes à nossa
escolha de adiar a maternidade/paternidade.
A vida pós-moderna exige que as pessoas estudem, façam carreira, obtenham a independência financeira e lá perto dos quarenta, porque a natureza pede a conta, é que pensem em ter filhos. Muitos desistem. Preferem usufruir do padrão alcançado sem preocupações com os cuidados a outro ser.
Sou dessas que deixaram a maternidade para a última badalada do relógio. Se meu filho resolver fazer o mesmo, fico pensando que talvez não venha a conhecer meus netos. Entretanto, alimento uma esperança rebelde, por conta da medicina que nos faz viver mais.
Somos uma geração de pais-velhos-de-primeira-viagem e, pelo jeito, sem perceber, passamos a atuar como se avós fôssemos: estamos estragando os filhos. É antiga aquela máxima de que os pais educam e os avós estragam. O que se vê, no entanto, é a total ausência de limites, com pais deixando os filhos fazer tudo. Nós, adeptos da paternidade tardia, carregamos a culpa da falta de tempo e queremos compensá-la com a permissividade, com presentes. Intitulamo-nos amigos dos filhos e agimos como tais. Pesa, também, o fato de que educar dá trabalho, desgasta, exige tempo, dedicação e persistência. É mais fácil dizer sim.
O que não percebemos é que estamos criando pessoas despreparadas para as frustrações. Os candidatos a monstro se criam na permissividade, não no limite. Os primeiros embates já começarão na escola, quando encontrarem crianças e professores indiferentes à sua tirania. Em decorrência, passarão a desenvolver uma revolta aparentemente sem motivos. “Não entendo, meu filho tem tudo, faz o que quer”. Parece óbvio para quem olha, mas quem está no papel de educador não enxerga onde está o problema. Ou não teríamos tantas crianças endiabradas por aí, sem educação, más, pequenos reis querendo impor sua vontade aos demais.
Não sou uma mãe perfeita, admito. Trabalho o dia todo, dificilmente consigo almoçar com meu pequeno, chego de noite cansada, louca por um banho e cama. Ao contrário, há um menino doido por atenção e inicio o terceiro turno. Tenho que encontrar energia para brincar e conversar e explicar e dizer não e ceder e dizer não de novo. Ah, e negociar. É um estica-e-solta sem fim. Minha regra é tentar manter a palavra, ser coerente, o que nem sempre consigo, o que nem sempre funciona. E me envolvo. A criança sente e aceita. Com um tanto de birra, claro, mas aceita. O limite, somado ao amor, dá segurança.
Recebo inúmeros elogios das pessoas sobre o comportamento do meu filho, o que me faz pensar que estou no caminho certo. Será que consigo educá-lo desse modo porque ele é meigo e tranquilo ou é meigo e tranquilo porque é educado desse modo? Prefiro acreditar na segunda opção. Vó antes do tempo, nem pensar.
A vida pós-moderna exige que as pessoas estudem, façam carreira, obtenham a independência financeira e lá perto dos quarenta, porque a natureza pede a conta, é que pensem em ter filhos. Muitos desistem. Preferem usufruir do padrão alcançado sem preocupações com os cuidados a outro ser.
Sou dessas que deixaram a maternidade para a última badalada do relógio. Se meu filho resolver fazer o mesmo, fico pensando que talvez não venha a conhecer meus netos. Entretanto, alimento uma esperança rebelde, por conta da medicina que nos faz viver mais.
Somos uma geração de pais-velhos-de-primeira-viagem e, pelo jeito, sem perceber, passamos a atuar como se avós fôssemos: estamos estragando os filhos. É antiga aquela máxima de que os pais educam e os avós estragam. O que se vê, no entanto, é a total ausência de limites, com pais deixando os filhos fazer tudo. Nós, adeptos da paternidade tardia, carregamos a culpa da falta de tempo e queremos compensá-la com a permissividade, com presentes. Intitulamo-nos amigos dos filhos e agimos como tais. Pesa, também, o fato de que educar dá trabalho, desgasta, exige tempo, dedicação e persistência. É mais fácil dizer sim.
O que não percebemos é que estamos criando pessoas despreparadas para as frustrações. Os candidatos a monstro se criam na permissividade, não no limite. Os primeiros embates já começarão na escola, quando encontrarem crianças e professores indiferentes à sua tirania. Em decorrência, passarão a desenvolver uma revolta aparentemente sem motivos. “Não entendo, meu filho tem tudo, faz o que quer”. Parece óbvio para quem olha, mas quem está no papel de educador não enxerga onde está o problema. Ou não teríamos tantas crianças endiabradas por aí, sem educação, más, pequenos reis querendo impor sua vontade aos demais.
Não sou uma mãe perfeita, admito. Trabalho o dia todo, dificilmente consigo almoçar com meu pequeno, chego de noite cansada, louca por um banho e cama. Ao contrário, há um menino doido por atenção e inicio o terceiro turno. Tenho que encontrar energia para brincar e conversar e explicar e dizer não e ceder e dizer não de novo. Ah, e negociar. É um estica-e-solta sem fim. Minha regra é tentar manter a palavra, ser coerente, o que nem sempre consigo, o que nem sempre funciona. E me envolvo. A criança sente e aceita. Com um tanto de birra, claro, mas aceita. O limite, somado ao amor, dá segurança.
Recebo inúmeros elogios das pessoas sobre o comportamento do meu filho, o que me faz pensar que estou no caminho certo. Será que consigo educá-lo desse modo porque ele é meigo e tranquilo ou é meigo e tranquilo porque é educado desse modo? Prefiro acreditar na segunda opção. Vó antes do tempo, nem pensar.
domingo, 19 de agosto de 2012
Dica de Blog de Literatura
Aos que amam literatura e as várias discussões que ela enseja, não deixem de conhecer e participar deste blog sobre as Leituras do Século XXI,criado a partir do curso do mesmo nome, dirigido pela Professora Léa Masina. Enjoy!http://leiturasdosec21.blogspot.com.br/
domingo, 15 de abril de 2012
Por onde se lança a violência
Estive pensando a respeito da jornalista do Sunday Times, Marie Colvin, morta em um ataque na Síria, em fevereiro deste ano, juntamente com o fotógrafo Rémi Ochilik, quando cobriam os conflitos. A repórter ostentava um tapa-olho, simbolizando o compromisso com seu ofício: uma marca da cobertura da guerra civil no Sri Lanka, em 2001, que lhe tirou parte da visão. Durante três décadas, ela esteve desempenhando a profissão em alguns dos confrontos mais sangrentos da atualidade. O tapa-olho devia ocultar apenas uma das suas cicatrizes.
Tenho treze anos de profissão como Promotora de Justiça, dez deles na área criminal. Acostumei-me a ver a violência pungindo as vítimas com chagas de brasa e mágoa. Marcas internas, porém quase tangíveis pela consistência dolorida dos relatos e do peso dos acontecimentos, que impregnam o ar da sala de audiências e repugnam o estômago do ouvinte. E a mim mesma embrutecendo, dia após dia, perdendo a inocência, a fé no ser humano, sem saber como lidar diante de tanto sofrimento.
Ao recontar um crime, a vítima o revive, e quem escuta compartilha do episódio. Minha alma vai se encolhendo, encolhendo, a ponto de encostar-se às costas. Sobra corpo para um eu tão oprimido.
Uma análise da matéria que me compõe revelaria incontáveis solidificações protetivas, combinadas com sulcos na carne dos sentimentos reprimidos, rotulados com a tarja conformista de “ossos do ofício”, e que viabilizam às pessoas que trabalham em situações críticas continuar sua labuta. Seguir vivendo.
Quem já foi alvo da maldade alheia, seja crime ou não, fica dias, meses, talvez anos, revivendo as cenas, sentindo as consequências do dano impingido. Quando envolve violência, dificilmente se esquece. E se a vítima for criança? E se o crime for abuso sexual?
Eis algo contra o qual a experiência da profissão não conseguiu me blindar. Impossível manter-se apático quando se é jogado na escuridão de um túnel dos horrores, com o mau cheiro invadindo as narinas até as entranhas, para ao final se deparar com a verdade crua contada pelos olhos da criança.
Até os sete anos, os pequenos são como esponjas absorvendo toda a realidade sem questionar. O entendimento é limitado. Um ínfimo dilema é um drama sem fim. O que acontece, então, quando a vida é um pesadelo de verdade? Assimilam-no como natural. Amoldam-se. Não cause surpresa se vierem a repetir a violência sofrida. E o Estado, pelo visto, não percebe a urgência de intervir em prol da infância, protegendo-os integralmente, garantindo educação e dignidade.
Já vi tanta coisa. Um tapa-olho seria apenas a bandeira marcando a ponta do iceberg das cicatrizes. Ninguém se surpreenda se eu passar a ostentar a venda da Justiça, na cor negra, em minha indumentária ou amarrada no braço, em protesto contra a violência e seu rastro de estrago coletivo. Em respeito às vítimas. E a você, que sente os respingos, enquanto apenas passa na rua ou lê este texto.
(texto publicado na intranet do Ministério Público do RS em 20/03/12).
Tenho treze anos de profissão como Promotora de Justiça, dez deles na área criminal. Acostumei-me a ver a violência pungindo as vítimas com chagas de brasa e mágoa. Marcas internas, porém quase tangíveis pela consistência dolorida dos relatos e do peso dos acontecimentos, que impregnam o ar da sala de audiências e repugnam o estômago do ouvinte. E a mim mesma embrutecendo, dia após dia, perdendo a inocência, a fé no ser humano, sem saber como lidar diante de tanto sofrimento.
Ao recontar um crime, a vítima o revive, e quem escuta compartilha do episódio. Minha alma vai se encolhendo, encolhendo, a ponto de encostar-se às costas. Sobra corpo para um eu tão oprimido.
Uma análise da matéria que me compõe revelaria incontáveis solidificações protetivas, combinadas com sulcos na carne dos sentimentos reprimidos, rotulados com a tarja conformista de “ossos do ofício”, e que viabilizam às pessoas que trabalham em situações críticas continuar sua labuta. Seguir vivendo.
Quem já foi alvo da maldade alheia, seja crime ou não, fica dias, meses, talvez anos, revivendo as cenas, sentindo as consequências do dano impingido. Quando envolve violência, dificilmente se esquece. E se a vítima for criança? E se o crime for abuso sexual?
Eis algo contra o qual a experiência da profissão não conseguiu me blindar. Impossível manter-se apático quando se é jogado na escuridão de um túnel dos horrores, com o mau cheiro invadindo as narinas até as entranhas, para ao final se deparar com a verdade crua contada pelos olhos da criança.
Até os sete anos, os pequenos são como esponjas absorvendo toda a realidade sem questionar. O entendimento é limitado. Um ínfimo dilema é um drama sem fim. O que acontece, então, quando a vida é um pesadelo de verdade? Assimilam-no como natural. Amoldam-se. Não cause surpresa se vierem a repetir a violência sofrida. E o Estado, pelo visto, não percebe a urgência de intervir em prol da infância, protegendo-os integralmente, garantindo educação e dignidade.
Já vi tanta coisa. Um tapa-olho seria apenas a bandeira marcando a ponta do iceberg das cicatrizes. Ninguém se surpreenda se eu passar a ostentar a venda da Justiça, na cor negra, em minha indumentária ou amarrada no braço, em protesto contra a violência e seu rastro de estrago coletivo. Em respeito às vítimas. E a você, que sente os respingos, enquanto apenas passa na rua ou lê este texto.
(texto publicado na intranet do Ministério Público do RS em 20/03/12).
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