terça-feira, 23 de outubro de 2012

Flexibilidade Zero (texto publicado no Caderno Viagem de ZH em 23/10/12)

           A gente passa trabalho no país dos outros. Numa dessas, entrei num supermercado, nos Estados Unidos, para comprar comida. Na hora de pagar, optei por um dos guichês de autoatendimento, onde você mesmo passa suas compras, empacota e paga.
“Bem-vindo”, disse a máquina em inglês. “Pressione a tecla com a opção desejada”. “Passe o produto pelo leitor de barras”. “Coloque o produto na sacola”.
Tudo funcionava bem, até chegar nas malditas maçãs. Deduzindo que precisariam ser pesadas, larguei-as numa parte metálica. No visor apareceu o peso das frutas.
“Pressione a opção desejada”. E então o visor me mostrava vários quadrinhos de frutas e verduras – exceto maçã. Olhei em volta e não havia um atendente sequer, apenas uma fila de pessoas impacientes. Voltei ao procedimento e procurei algum botão que cancelasse. Nada. Procurei a fruta mais próxima em formato e preço de maçã, e o pêssego foi a solução, até porque tinha valor ligeiramente mais caro. Apertei.
“Pêssegos, coloque o produto na sacola”.
Coloquei as maçãs na sacola, fiz cara de paisagem e continuei.
Uma funcionária apareceu. Conferiu no visor minha lista e se deteve nos pêssegos. Retirou as maçãs da sacola e mostrou-as para mim, falando com rispidez: - isso não é pêssego, é maçã. O supermercado parou, e todos me olhavam como se eu fosse uma criminosa.
A atendente começou a bater no visor com fúria para corrigir meu procedimento.
Desfeito o erro, paguei e saí, morrendo de vergonha e culpada, afinal aquele ato poderia ter causado quebra de caixa pelos centavos a mais que eu teria pago pelas maças adquiridas como pêssegos e uma inexplicável diferença no estoque, que apontaria três maças faltantes e três pêssegos em demasia. Imperdoável! E eu que pensei que ser flexível na solução de problemas fosse uma virtude. Bem, vai ver são esses comportamentos que mantêm a ordem existente naquele país. Pêssego é pêssego, maçã é maçã. Amém.
Desde então, por segurança, na terra do Tio Sam, onde maça é maçã, ou na República das Bananas, onde não se sabe ao certo o que é banana-maçã, - eu desconfio.

 

5 comentários:

karla siqueira disse...

Amei o post Angela!
Muito interessante o que houve apesar da situação em que estavas, nos faz pensar que por lá naõ existe o famoso "jeitinho brasileiro". Acho que isso é bom, concordo contigo, talvez seja um dos motivos das coisas serem mais organizadas por lá. Bjs karla

Gustavo disse...

Gostei muito do texto, Angela. Dei risada imaginando a tua cara ao tentar achar a maçã invisível. Prova de que a tecnologia às vezes pode falhar no mais simples.
Mas sempre existe uma solução. Como diz o ditado, "se você está no inferno, aproveita e dá um abraço no diabo". Poderias ter pego uma "maçã-na-versão-de-Angela", ter gritado "it's an apple, goddamn!" e trincado com gosto para provar teu ponto de vista. Ia ser dureza aguentar os pelos do pessego, mas, pelo menos, a tua dignidade ia se manter intacta. Já dizia o Edgar Allan Poe, "quando todas as alternativas possíveis se esgotam, só resta o impossível" - talvez tu tivesse sucesso em convencer a americana que, no Sul do mundo, maçã é pêssego! ;-)
Beijo, gostei bastante do texto
Gustavo

Anônimo disse...

Ângela, muito legal o texto. Acho que expressa muito bem várias facetas culturais do povo do Tio Sam, em especial a confiança nas instituições. Eu também já passei por isso, mas em uma farmácia, e desisiti de levar itens que tinham que ser pesados... a minha sorte é que não tinha fila. Abs. Adrio.

Ricardo Souto disse...

KKKKKKK...

Eu queria muito estar la e presenciar o acontecido!!!!

KKKKKKKKKKKKKK...

Angela Dal Pos - Morena de Pintas disse...

Valeu, pessoal, obrigada pelos comentários!