quinta-feira, 27 de março de 2008

O Valor da mulher - uma outra versão (publicado no jornal VS de São Leopoldo em 18-03-08 e no O Sul em 30-05-08)

Recentemente comemorado, o dia internacional da mulher.
Não na casa de D. Maria.
A busca da afirmação do papel da mulher na sociedade não lhe diz respeito.
No seu barraco de uma peça, ainda chove dentro, o chão continua de terra e seu filho chora de fome.
Os hematomas da última surra que levou do companheiro estão desaparecendo, mas ela sabe que é só até a próxima bebedeira, quando ele implicar com alguma coisa e descontar nela. Da última vez, inventou que ela estava trazendo homem para dentro de casa e, por conta disso, atirou-a contra o chão várias vezes, além de humilhá-la, chamando-a de vagabunda e outros insultos.
Desistiu de registrar ocorrência policial ao lembrar que, da outra vez, além de não resolver seu problema, apanhou tanto que ficou sem enxergar por três dias.
Suas vizinhas falaram que agora não precisava mais se preocupar, pois tinha uma tal de Lei Maria da Penha que protege as mulheres, que o João do beco já foi preso por bater na Rosa e, o Zé Bento, por ameaçar a Jura e quebrar a casa dela.
D. Maria não sabe que Maria da Penha é essa, com nome igual ao seu, mas não tem esperança de que as autoridades resolvam seu problema. Cresceu apanhando e vendo sua mãe apanhar do padrasto. Rezava para que o pai, que ela não conheceu, viesse e as livrasse daquela vida. Ele nunca apareceu. Talvez sua mãe sequer soubesse quem ele era.
Queria se separar do companheiro violento. Como? Se, a casa era dele, não tinha para onde ir, era sustentada, e perdera o emprego de faxina depois que a criança nasceu. Tendo que alimentar o filho, vai-se agüentando de qualquer jeito.
Como muitas outras Marias, nada sabe sobre a paridade homem/mulher, sobre a emancipação ou seus direitos. Seu único modelo é o de violência familiar, que ela aceita sem questionar, pois não conhece outro.
As lutas e conquistas de mulheres vencedoras convivem com as histórias de vida dessas Marias, que seguem subjugadas, suportando caladas maus tratos, humilhações e torturas psicológicas, por medo, falta de oportunidades, de condições materiais e até psíquicas de assumirem o controle de suas próprias vidas.
Com o passar do tempo, até é possível nos acostumarmos com a dor das feridas abertas, mas não significa que elas não estejam ali, maculando todo o corpo social.
A Lei Maria da Penha deu um passo importante no sentido de proteger as vítimas e dar o devido encaminhamento a tão delicado problema, que é menos jurídico que social. Uma completa mudança de percepção e atitude no que diz respeito à diminuição da tolerância à violência doméstica, ainda precisa ser alcançada, permitindo-se que a valorização e dignidade da pessoa humana sejam estendidas às mulheres de todos os extratos sociais. Quem sabe num próximo 8 de março, mais Marias possam comemorar.

disponível no endereço http://www.ziptop.com.br/vp/jornalvs/default.asp?ed=980

Nenhum comentário: